Instituto da Tireoide e Laringe

O Resumo da Ópera

Este mês de agosto vamos criar em nosso site uma nova página voltada para educação médica continuada. Este novo blog se chamará “O RESUMO DA ÓPERA”, uma expressão que acabou sendo utilizada para fazer referência ao resumo de qualquer assunto ou material.

Neste caso, semanalmente faremos, em nosso site, um resumo de artigos importantes na especialidade de Otorrinolaringologia e Cirurgia de Cabeça e Pescoço. Artigos de renomadas revistas científicas nacionais e internacionais que irão atualizar e enriquecer ainda mais o seu conhecimento na especialidade. 

Iniciaremos abordando um artigo muito interessante que fala dos novos tratamentos com a medicina regenerativa em Otorrinolaringologia e Cirurgia de Cabeça e Pescoço, publicado na British Medical Journal (BMJ). A revista BMJ é uma publicação periódica do Reino Unido e uma das mais influentes e conceituadas publicações sobre medicina no mundo. 

O RESUMO DA ÓPERA 

“Avanços na medicina regenerativa para Otorrinolaringologia/Cirurgia de Cabeça e Pescoço” 

Neste artigo, os autores fizeram uma extensa revisão de trabalhos publicados em inglês e indexados no PubMed. Foram revisadas mais de 1000 publicações científicas, variando desde pesquisas científicas básicas a testes clínicos em humanos. Nesta revisão, os autores enfatizam que a medicina regenerativa é uma promessa para melhorar os tratamentos de enfermidades na Otorrinolaringologia e Cirurgia de Cabeça e Pescoço (ORL-CCP) para as quais a medicina convencional ainda não encontrou soluções definitivas.  

Mas o que vem a ser “Medicina Regenerativa”? A medicina regenerativa é um processo de substituição ou regeneração de células, tecidos ou órgãos humanos para restaurar ou restabelecer sua função anteriormente normal. As abordagens da medicina regenerativa em ORL-CCP têm variado amplamente nos últimos anos, sendo inclusive motivo de inúmeras pesquisas clínicas em diferentes partes do mundo, mostrando ser viáveis em ensaios pré-clínicos e clínicos. 

Embora essas terapias já sejam pesquisadas há décadas, ainda há pouca aplicação na prática clínica diária, principalmente no tratamento de tecidos e órgãos complexos, como por exemplo a prega vocal, cuja regeneração permanece um desafio na especialidade. 

A restauração da anatomia e função laríngea é difícil devido à natureza complexa; as opções atuais de reconstrução são incapazes de restaurar o tecido de maneira adequada sem a formação de cicatriz ou recompor a função laríngea normal. A regeneração funcional de um novo tecido da laringe poderia teoricamente ajudar milhões de pacientes, desde portadores de cicatrizes nas pregas vocais até aqueles que foram submetidos à laringectomia. 

Neste contexto e diante da complexidade do tratamento da prega vocal, a terapia celular com uso de células-tronco mesenquimais poderia ser uma alternativa de tratamento. As células-tronco mesenquimais derivadas do tecido adiposo (ASCs) são um tipo de célula particularmente promissora para o tratamento da cicatriz da prega vocal, pois ensaios in vitro já mostraram que as ASCs secretam vários fatores de crescimento que equilibram o colágeno e o ácido hialurônico na matriz extracelular (MEC) no tecido laríngeo. Estudos demonstraram que as ASCs secretam fator de crescimento de hepatócitos (HGF), que atenua a produção de colágeno e a proliferação de fibroblastos em cultura. As células-tronco mesenquimais derivadas do tecido adiposo também podem produzir fibras elásticas, o que normalmente não ocorre em um ambiente com cicatriz. 

Essa terapia com células-tronco para pregas vocais, apesar de mostrar resultados satisfatórios, ainda está nos estágios iniciais. Esses avanços representam um passo importante para o sucesso da medicina regenerativa na regeneração da superestrutura laríngea. Com mais refinamento, estas novas abordagens podem fornecer uma opção para a reconstrução funcional da laringe. 

Para a reconstrução de defeitos craniofaciais, os autores destacam que grande parte do uso de terapias celulares baseadas em fatores bioativos nessa região é centrado na introdução de moléculas bioativas em locais de defeitos ósseos para estimular a osteogênese, a angiogênese ou uma combinação de ambos os processos. Os principais fatores de crescimento mais comumente usados na regeneração craniofacial são as proteínas morfogenéticas ósseas (BMPs) e os fatores de crescimento derivados de plaquetas (PDGFs). Embora outros fatores estejam sendo explorados, esses dois tiveram a aplicação mais clínica até o momento. O plasma rico em plaquetas (PRP) é outro fator bioativo interessante que está sendo investigado para uso em aplicações craniofaciais. O PRP é obtido pelo sequestro e concentração de plaquetas (de amostra de sangue periférico) por gradiente de densidade e centrifugação, sendo rico em muitos fatores de crescimento. 

Os autores também mencionam os benefícios da terapia celular no tratamento de enfermidades das glândulas salivares, como a hipossalivação, uma das características da xerostomia ou boca seca, que pode ocorrer em pacientes com síndrome de Sjögren ou outras doenças autoimunes, em pacientes com histórico de radiação em cabeça e pescoço, ou como resultado de polifarmácia. 

Curiosamente, além da mera secreção de saliva por células-tronco derivadas das glândulas salivares, a atividade parácrina dos componentes bioativos secretados pelas células-tronco mesenquimais derivadas do tecido adiposo (ASCs) e células-tronco mesenquimais da medula óssea (BMSCs) tem sido explorada como uma solução reparadora para glândulas salivares danificadas por radioterapia. Esse meio bioativo tem qualidades parácrinas comprovadas para melhorar o microambiente salivar por meio de reparo epitelial, aumento da densidade dos microvasos e redução da fibrose. 

A engenharia de tecidos de cartilagem também está sendo utilizada para a reconstrução do pavilhão auricular e do nariz em humanos. Os condrócitos autólogos cultivados estão sendo usados como material de enxerto para deformidades cranianas, reconstrução de orelha, nariz e queixo. 

Outra enfermidade que está sendo tratada com terapia celular é a perfuração timpânica. As perfurações da membrana timpânica (TMP) são um problema comum em otologia, e a maioria das perfurações agudas cicatriza espontaneamente. Porém, grandes perfurações podem precisar de cirurgia para fechar o defeito. Muitas terapias regenerativas foram avaliadas para a cura da TMP em modelos animais e humanos. Alguns estudos tiveram como alvo para o tratamento da TMP crônica e traumática a utilização conjunta de um scaffold e de fatores de crescimento. 

Como conclusão, os autores afirmam que a medicina regenerativa em ORL-CCP é um campo em rápido desenvolvimento que abrange desde a pesquisa científica básica até os ensaios clínicos. A especialidade de ORL-CCP é única em sua necessidade de restaurar funções vitais, como respiração e deglutição, para os pacientes, bem como a percepção de si mesmo por meio da voz, audição e aparência física. O progresso mais substancial até o momento parece ser para as indicações para as quais não existem terapias convencionais satisfatórias, como a reconstrução da traqueia (segmento longo da traqueia). Grandes avanços foram dados na reconstrução de defeitos da cabeça e do pescoço com cartilagem e osso regenerados, reduzindo a necessidade de enxerto e proporcionando uma oportunidade de melhorar os resultados estéticos. A regeneração de tecidos que comandam funções complexas, como voz e audição, continua sendo um desafio devido à complexidade inerente desses tecidos. 

Dr. Francisco Amorim

Dr. Francisco Amorim

Dr. Francisco Amorim é Doutor pela Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP) e Mestre pelo Hospital Heliópolis. Ele é Titular do Colégio Brasileiro de Cirurgiões (TCBC) e atua como médico credenciado nos Hospitais Mater Dei Premium e Israelita Albert Einstein, em Goiânia-GO.
Membro ativo da Sociedade Latino-Americana de Laringologia e Fonocirurgia, Sociedade Latino-Americana da Tireoide, Sociedade Brasileira de Cirurgia de Cabeça e Pescoço e da Associação Brasileira de Otorrinolaringologia e Cirurgia Cérvico-Facial (ABORL-CCF).
É diretor técnico do Instituto da Tireoide & Laringe (ITL), além de pesquisador e autor de artigos na área, destacando-se por sua contribuição significativa à ciência médica.

CONHEÇA MAIS SOBRE O AUTOR
Abrir bate-papo
Olá, Precisa de ajuda?